Como usar a IA generativa em sala de aula com propósito e critério docente

Já faz tempo que a inteligência artificial deixou de parecer ficção científica. Hoje ela escreve redações, corrige provas, sugere rubricas e, às vezes, dá ideias melhores do que as nossas. Na educação, como em outros campos, o problema não está na ferramenta, mas no que se decide fazer com ela. Este artigo propõe um olhar prático sobre como os professores já estão usando a IA generativa para enriquecer seu ensino. Com a ajuda do Tec de Monterrey, mergulhamos em experiências reais, ferramentas úteis e ações concretas que qualquer professor pode implementar, sem perder de vista o mais importante: seu critério pedagógico.

Como usar a IA generativa em sala de aula com propósito e critério docente

Há apenas alguns anos letivos, a inteligência artificial na escola se restringia a congressos de inovação ou suplementos de domingo. Hoje, o ChatGPT redige redações, o Copilot completa e-mails e dezenas de ferramentas autoalimentadas prometem economizar tempo, corrigir melhor e até ensinar por nós. Algumas conseguem. Outras, nem tanto. Em todo caso, a IA chegou às salas de aula.

O entusiasmo institucional foi rápido e previsível. Multiplicaram-se os guias, webinars e listas de “ferramentas que todo professor deveria usar”. O resultado é o de sempre: uma mistura de fascinação, fadiga e aquela sensação tão característica do nosso século de estar sempre correndo atrás. É claro que não faltam aqueles que veem na IA o começo do fim do pensamento humano; nem os que a recebem como solução para todos os males do sistema educacional. E então, há os professores. Aqueles que dão aula todos os dias. Aqueles que se perguntam, com razão: o que eu faço com isso?

Este artigo tenta oferecer um olhar razoável, com os pés na sala de aula, sobre como usar a inteligência artificial generativa com propósito e critério. Para isso, é útil observar o que outros já estão fazendo.

O Edu Book Inteligência Artificial Generativa – Abordagens Práticas para Professores, publicado pelo Instituto para o Futuro da Educação do Tecnológico de Monterrey, reúne justamente isso: experiências e ferramentas testadas. E, como toda boa caixa de ferramentas, não serve de nada se não for aberta.

IA generativa docentes

O que a IA generativa implica para o ensino

Para nos entendermos: a inteligência artificial é como uma estatística turbinada. Em linhas gerais, trata-se de sistemas treinados para produzir conteúdo (texto, imagens, código, até música) a partir de enormes quantidades de dados anteriores. Ela não pensa, mas imita muito bem.

Aplicada ao ensino, a IA generativa entrou na sala de aula com bastante rapidez. Hoje é capaz de redigir textos, resumir leituras, sugerir rubricas de avaliação, desenhar atividades diferenciadas por nível e até simular conversas com personagens históricos ou literários. Também pode adaptar explicações ao estilo cognitivo do aluno ou detectar erros em uma redação. E faz tudo isso em segundos.

Claro, há ressalvas. A IA não sabe o que está dizendo, apenas sabe como dizer. Isso significa que pode escrever coisas coerentes, mas erradas; úteis, mas superficiais. E, se não houver vigilância, também pode fomentar a dependência: respostas rápidas que substituem o pensamento.

Mas nem tudo é motivo de alarme. Bem utilizada, a IA pode aliviar tarefas repetitivas, liberar tempo para o que realmente importa (escutar, orientar, corrigir com critério) e oferecer novos caminhos para personalizar o ensino. Ela não substitui o professor, mas pode aliviar o peso da burocracia pedagógica que rouba tempo e energia do ensino real.

O problema, como quase sempre, não é a ferramenta. É o uso que se faz dela. E o critério com que se decide quando e como usá-la.

A caixa de ferramentas do professor: o que a IA oferece

Uma das tentações mais comuns (e compreensíveis) quando se fala em inteligência artificial na educação é o catálogo. Centenas de ferramentas prometem transformar a sala de aula, automatizar o planejamento ou transformar qualquer docente em um designer instrucional em cinco cliques.

Por isso é tão refrescante o enfoque da publicação editada pelo Instituto para o Futuro da Educação do Tecnológico de Monterrey que, em vez de apresentar um arsenal infinito de opções, oferece uma seleção razoável, comentada por professores que testaram (e, em alguns casos, tropeçaram com) essas ferramentas em suas próprias salas de aula.

Vamos nos deter brevemente em algumas das ferramentas apresentadas no livro:

  • ai, por exemplo, funciona como um assistente hiperativo de planejamento: desenha rubricas, redige objetivos de aprendizagem, gera jogos no estilo Jeopardy e propõe atividades para alunos com diferentes níveis. Funciona bem se você sabe o que quer; nem tanto se espera que a ferramenta pense por você.
  • Twee é pensada para professores de inglês como língua estrangeira. Gera diálogos, listas de vocabulário, exercícios de escuta e compreensão de leitura.
  • To Teach permite criar folhas de atividades, caça-palavras, glossários ou mapas mentais a partir de qualquer texto. É simples, mas útil. Especialmente quando se precisa de algo funcional em pouco tempo.
  • E há o Khanmigo, o projeto da Khan Academy que adapta explicações e propõe estratégias individualizadas.

Todas essas ferramentas têm algo em comum: economizam tempo. E às vezes, isso basta para dar aula com menos cansaço e mais atenção. O desafio está em integrá-las sem abrir mão do julgamento pedagógico. Que a IA trabalhe, sim — mas a serviço de uma aula que ainda tem nomes, rostos e contexto.

El enfoque de la publicación editada por el Instituto para el Futuro de la Educación del Tecnológico de Monterrey presenta una selección razonable, comentada por docentes que han probado estas herramientas en sus propias aulas.

Experiências reais: cinco formas de usar a IA com critério docente

Grande parte do que sabemos — ou achamos que sabemos — sobre inteligência artificial na educação se baseia em suposições, manchetes ou promessas de terceiros. Por isso é tão valioso encontrar um documento como este, que reúne casos reais, contados por quem está na sala de aula. Vejamos como alguns professores latino-americanos já estão usando a IA, segundo o material do Tec de Monterrey.

  1. Usar a IA para provocar o pensamento (não para substituí-lo). Uma professora de humanidades propôs à turma uma atividade simples: usar IA para gerar perguntas sobre um romance. Depois, avaliaram essas perguntas. Eram pertinentes? O que faltava? Que vieses traziam? A atividade gerou um debate sobre qualidade, intenção e leitura crítica. A mesma professora usou a IA para trabalhar contos autobiográficos, emoções e ética digital. Em todos os casos, a ferramenta foi um pretexto para pensar mais, não menos.
  2. ChatGPT como aquecimento prévio à pesquisa. Em um curso de ciências, um grupo de estudantes usou o ChatGPT para gerar ideias iniciais antes de começar uma pesquisa. Eles não podiam citar as respostas, nem usá-las como fontes, mas podiam analisá-las, contrastá-las, reformulá-las. O exercício mostrou que a IA pode funcionar como um rascunho mental: não conclui nada, mas ajuda a começar.
  3. Ensinar matemática para a IA. Um professor do ensino fundamental decidiu inverter o jogo. Em vez de usar a IA como ajudante, tratou-a como aluna: propôs problemas, deixou que ela errasse e depois a corrigiu. A experiência teve dois efeitos. Mostrou os limites da IA e permitiu que os alunos refinassem seu próprio raciocínio ao explicar por que a IA havia errado. Às vezes, ensinar é o melhor jeito de aprender.
  4. Planejar com IA para ganhar tempo (e pensar melhor). Uma professora com experiência em inovação educacional testou várias ferramentas de geração automática: rubricas, atividades diferenciadas, jogos didáticos. O resultado não foi espetacular, mas foi eficaz: mais tempo para atender aos alunos, menos para planejar do zero. O mais importante, segundo ela, não foi o que a IA gerou, mas o que ela decidiu adaptar, revisar ou descartar.
  5. A IA como espelho criativo. Em uma aula centrada em pensamento e escrita, um grupo de alunos usou IA para redigir textos, analisar estilos e detectar vieses. Quem escreve melhor: o humano ou a máquina? E o que isso significa? A IA não serviu para avaliar, nem para corrigir. Serviu para incomodar — o que não é pouco. E a partir daí, surgiram ideias próprias.

Cinco casos distintos, cinco formas de integrar a IA generativa ao ensino sem perder de vista o critério pedagógico. Em nenhum caso se tratou de substituir o professor. Em todos, o foco esteve em usar a tecnologia como apoio, não como substituição.

Para além da técnica: desafios pedagógicos e éticos

Um dos perigos mais sutis de qualquer tecnologia que funciona “bem demais” é que ela se torna invisível. Acostumamo-nos a deixá-la resolver coisas por nós e deixamos de nos perguntar se essas coisas deveriam ser resolvidas assim. Com a IA em sala de aula acontece algo parecido: ela redige textos impecáveis, gera avaliações em segundos, adapta explicações ao nível do aluno… e entre o cansaço e a pressa, podemos esquecer que ensinar vai muito além de fornecer conteúdo.

O primeiro desafio é pedagógico. A IA pode facilitar o design instrucional, sim. Mas também pode empobrecê-lo se virar um gerador automático de atividades desconectadas, prontas para aplicar sem contexto. Um bom recurso nem sempre faz uma boa aula. E um professor com critério ainda é o único capaz de distinguir entre o útil e o dispensável.

O segundo desafio é ético. Um estudante deve dizer se usou IA para redigir seu trabalho? Um professor deve corrigir de forma diferente um texto parcialmente gerado pelo ChatGPT? Como se ensina a citar uma fonte que não existe, mas escreve como se existisse? E além disso: qual o impacto ambiental dessa tecnologia? Quem a controla? Que vieses ela reproduz?

Não se trata de virar tecnofóbico ou paranoico. É apenas lembrar que, como em tantas outras coisas, a pergunta não é “posso usar isso?”, mas “para que estou usando isso?”. A IA pode ser um atalho, mas também um ponto de partida. Pode reforçar a passividade ou despertar a curiosidade. Pode nivelar o acesso ou aprofundar desigualdades.

Ensinar, mesmo com IA

A inteligência artificial generativa não vai consertar a educação. Também não vai destruí-la. O que ela vai fazer (e já está fazendo) é nos obrigar a repensar como ensinamos, o que avaliamos e o que valorizamos como aprendizagem. Nesse sentido, ela não é ameaça nem solução milagrosa: é um espelho, que nos força a decidir o que queremos conservar, o que podemos mudar e o que estamos dispostos a delegar.

Este artigo propôs, com o apoio do Tec de Monterrey, uma abordagem concreta e crítica sobre o uso da IA em sala de aula: ferramentas que economizam tempo, mas não esvaziam o ensino; experiências inspiradoras e perguntas que não têm resposta única, mas que merecem ser feitas. Tudo isso com um princípio orientador: o critério pedagógico continua sendo mais importante que o algoritmo.

Como sempre, haverá professores que usarão a IA para acelerar processos. Outros, para enriquecê-los. O importante é que ela não seja usada sem reflexão, sem contexto, sem propósito. Porque mesmo nestes tempos de prompts e assistentes digitais, ensinar continua sendo, acima de tudo, um ato humano.

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