Transformar a escola a partir da sala de aula: o poder da pesquisa-ação

O que pode fazer um professor quando a teoria não basta para enfrentar os desafios da sala de aula? A pesquisa-ação oferece um caminho para agir, repensar a prática e gerar conhecimento situado. Essa abordagem promove mudanças reais a partir de dentro do sistema educacional, em vez de depender de soluções impostas de fora. Neste artigo, são apresentados seus fundamentos, sua aplicação em diferentes contextos e experiências concretas na América Latina e no Reino Unido que demonstram seu alcance.

Transformar a escola a partir da sala de aula: o poder da pesquisa-ação

Em muitas salas de aula, longe das manchetes e das grandes reformas educacionais, há docentes que observam o que acontece, fazem perguntas e buscam respostas sem esperar que as soluções venham de cima. Como ensinar quando o currículo não se encaixa na realidade dos alunos? O que fazer quando as estratégias falham e as receitas externas não dão conta?

A resposta nem sempre está em metodologias importadas, mas em olhar com mais profundidade para o que acontece todos os dias na sala de aula. A pesquisa-ação, uma abordagem que combina análise crítica e tomada de decisões pedagógicas a partir da própria prática, vem ganhando espaço como uma via eficaz para melhorar a educação a partir de dentro. Nada de pesquisas alheias à escola ou teorias aplicadas de cima para baixo. Trata-se de processos que nascem da experiência direta do professorado e se sustentam na reflexão, no diálogo e na transformação.

Neste artigo, falaremos sobre o que é a pesquisa-ação, como ela se desenvolve e que impacto tem nos contextos escolares. Através de casos reais na América Latina e no Reino Unido, veremos suas possibilidades como caminho para construir uma educação mais consciente, participativa e sustentável.

O que é pesquisa-ação?

Nas escolas, nem sempre é preciso olhar para longe para encontrar caminhos de melhoria. Muitas vezes, basta parar, observar o que acontece na sala de aula e fazer perguntas. Por que meus alunos não participam? O que está acontecendo com quem não termina as tarefas? O que faço que poderia mudar?

A pesquisa-ação parte justamente daí. Não é um método complexo reservado a acadêmicos, mas uma forma de trabalho que nasce da prática cotidiana. Uma ferramenta que permite aos professores observar o que fazem, intervir e gerar conhecimento útil para transformar sua realidade.

O conceito foi introduzido por Kurt Lewin na década de 1940, que a definiu como “uma espiral de passos composta de planejamento, ação e descoberta de fatos” (Lewin, 1946). Sua ideia era simples: a melhor maneira de entender uma situação social é tentar mudá-la.

Décadas depois, a abordagem foi adotada e ampliada por educadores como Stephen Kemmis e Wilfred Carr, que incorporaram um olhar crítico. Em Becoming Critical, afirmaram que investigar a prática docente não deve se limitar a corrigir erros ou aplicar melhorias técnicas. Também deve servir para “compreendê-la criticamente, transformá-la e libertá-la das estruturas opressoras que a condicionam” (Carr & Kemmis, 1986).

A pesquisa-ação não vem de fora. Ela é conduzida por quem ensina, acompanha, planeja. Docentes que observam sua aula, detectam um problema, desenham uma estratégia, a colocam em prática e refletem sobre os resultados. Esse ciclo — diagnóstico, ação, observação, reflexão — pode se repetir quantas vezes for necessário. Não busca produzir teorias universais, mas soluções concretas, situadas e possíveis.

Em um contexto onde muitas vezes se espera que as mudanças venham de cima, essa abordagem devolve aos educadores a possibilidade de pensar, agir e transformar a partir do seu lugar. Aprender enquanto se ensina. Mudar enquanto se compreende. E compreender enquanto se muda.

Fases do ciclo da pesquisa-ação

A pesquisa-ação não segue uma linha reta. É um processo circular, uma prática que avança com testes, ajustes e aprendizados. Uma espiral na qual cada passo leva ao próximo e, ao mesmo tempo, abre novas perguntas. Assim a descreveram Stephen Kemmis e Robin McTaggart: “um processo espiral de planejamento, ação, observação e reflexão” (Kemmis & McTaggart, 2000).

Identificação do problema

Tudo começa com o olhar. Não de fora, mas de dentro da sala: algo que não funciona, uma inquietação pedagógica, uma necessidade persistente. O docente observa e se pergunta: o que está acontecendo aqui?

Planejar uma resposta

Com o foco claro, pensa-se no que fazer. Não se trata de improvisar, mas de desenhar uma estratégia viável, que faça sentido no contexto e para quem a colocará em prática. Muitas vezes, essas decisões se alimentam da experiência e, sempre que possível, do apoio da evidência.

Agir e observar

Chega o momento de testar. A estratégia é colocada em prática, mas com atenção ao que acontece. Observar não é apenas olhar: é registrar, anotar, escutar.

Observação e coleta de dados

A observação se traduz em dados: entrevistas, comentários, tarefas dos alunos, até gravações ou diários de classe. Tudo o que ajuda a entender o impacto real do que foi feito.

Reflexão crítica

Com base nas informações reunidas, reflete-se: o que funcionou? O que deveria ser mudado? O que foi aprendido? Essa fase não encerra o processo — ela o relança. A pesquisa-ação sempre retorna ao início, mas com mais clareza, mais perguntas e novas propostas.

Como explica Antonio Latorre, pesquisador e divulgador da abordagem, não se trata de encontrar respostas universais, mas de “compreender melhor uma situação educativa para transformá-la” (Latorre, 2003). E nesse caminho, o mais importante não é a perfeição, mas o compromisso com a melhoria.

La investigación-acción no llega desde fuera. La llevan adelante quienes enseñan, acompañan, planifican. Docentes que observan su clase, detectan un problema, diseñan una estrategia, la ponen en marcha y reflexionan sobre los resultados.

Vantagens da pesquisa-ação na educação

Na educação não existem receitas mágicas, mas existem formas mais conscientes de melhorar o que acontece na sala. A pesquisa-ação é uma delas. Não parte de ideias abstratas ou modelos prontos, mas de uma convicção prática: a mudança começa quando quem ensina para para pensar no que faz, por que faz e como poderia fazer melhor.

Melhorar a partir da prática

Ao contrário das reformas que vêm de fora, essa abordagem é construída de dentro. É o próprio docente que identifica os problemas, testa soluções, ajusta e recomeça. Como apontaram Carr e Kemmis, “não se limita a estudar a prática educativa, mas busca melhorá-la diretamente através da ação reflexiva” (Carr & Kemmis, 1986).

Aprender como profissional

Investigar a própria prática muda a forma de exercê-la. O professor deixa de ser mero executor de orientações externas e torna-se um profissional que decide com critério. Ele se questiona, apoia-se em evidências, compartilha o que descobre. Assim fortalece-se a autonomia pedagógica e cultiva-se uma postura crítica frente ao currículo, à avaliação e à disciplina.

Recuperar a voz

A pesquisa-ação não é neutra. Tem uma dimensão política: devolve aos docentes a capacidade de influenciar o que fazem. Como lembra Antonio Latorre, “é uma pesquisa feita por e para os próprios protagonistas do processo educativo” (Latorre, 2003). Em um sistema onde muitas vezes se decide sem contar com eles, isso é relevante.

Pensar a partir do contexto

Seus achados não pretendem ser universais, mas úteis. Servem para compreender melhor uma sala específica, uma escola, uma comunidade. Permitem fundamentar decisões que não nascem de modismos pedagógicos, mas de realidades vividas.

Fazer em conjunto

Embora possa começar de forma individual, a pesquisa-ação floresce em equipe. Quando feita entre colegas, departamentos ou redes escolares, gera uma cultura de colaboração pedagógica. Favorece o diálogo, o intercâmbio de saberes e a construção conjunta de respostas.

Exemplos reais e experiências inspiradoras

Embora a pesquisa-ação possa parecer abstrata, sua aplicação concreta em contextos escolares gerou experiências valiosas — muitas vezes invisíveis fora do ambiente onde ocorrem. Como veremos a seguir, exemplos reais mostram que é possível melhorar a educação a partir da prática cotidiana.

Transformemos Educando (Colômbia)

Um dos casos mais significativos na América Latina é o programa Transformemos Educando, promovido pela Fundación Transformemos. O projeto foi implementado em regiões vulneráveis da Colômbia, como o Catatumbo, com o objetivo de alfabetizar e educar jovens e adultos excluídos do sistema formal.

Através de ciclos de diagnóstico, intervenção e avaliação participativa, os professores — previamente formados em pesquisa-ação — adaptavam os conteúdos educativos às realidades sociais, culturais e econômicas de suas comunidades. O processo não apenas melhorou os níveis de alfabetização, como também fortaleceu a autoestima dos participantes e sua relação com o território.

Em 2012, a iniciativa foi reconhecida com o Prêmio Confúcio de Alfabetização da UNESCO, destacando sua capacidade de unir educação, participação e transformação social através de uma metodologia reflexiva.

Research Schools Network (Reino Unido)

Fora do contexto latino-americano, destaca-se o caso da Research Schools Network, uma rede de escolas do Reino Unido apoiada pela Education Endowment Foundation. Embora não se defina diretamente como uma rede de pesquisa-ação, seus princípios alinham-se fortemente com essa abordagem: professores analisam suas práticas, implementam estratégias baseadas em evidências e avaliam seu impacto real na aprendizagem.

Essas escolas funcionam como núcleos regionais que difundem boas práticas baseadas em pesquisa, oferecem formação docente e colaboram com outras instituições para ampliar a melhoria. Seu modelo mostra que a melhoria educacional não precisa vir de cima: pode nascer na sala de aula, se for acompanhada de reflexão, sistematização e apoio profissional.

A escola que pensa a si mesma

Nem tudo que melhora a escola vem por decreto. Às vezes, a mudança começa com algo tão simples quanto uma pergunta: o que estamos fazendo? Por que fazemos assim? O que aconteceria se tentássemos outra coisa?

A pesquisa-ação não faz barulho, mas transforma. Não chega como receita, mas como processo. Move-se devagar, com papel, lápis, conversa e olhar crítico. E, acima de tudo, com a convicção de que quem está diante de uma turma também tem o direito (e a responsabilidade) de pensar sua prática e decidir como melhorá-la.

Não é exclusiva de universidades nem está restrita a especialistas. Em muitos lugares, essa abordagem serviu para reconectar o que se ensina com o que se vive. Devolveu voz a quem conhece a escola por dentro. E mostrou que a reflexão também educa.

Mais que uma técnica, a pesquisa-ação é uma atitude. A de quem ensina com perguntas, investiga com humildade e transforma com o que tem à mão: tempo, vontade e a certeza de que não há prática educativa que não possa ser pensada melhor.

Referências

Carr, W. & Kemmis, S. (1986). Becoming Critical: Education, Knowledge and Action Research. London: Falmer Press.

Kemmis, S. & McTaggart, R. (2000). Participatory Action Research. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of Qualitative Research (2nd ed., pp. 567–605).

Latorre, A. (2003). La investigación-acción: Conocer y cambiar la práctica educativa. Barcelona: Graó.

Lewin, K. (1946). Action Research and Minority Problems. Journal of Social Issues, 2(4), 34–46).

Schmelkes, S. (2006). Hacia una mejor calidad de nuestras escuelas indígenas. México: SEP.

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