Imagine um professor que precisa ensinar a seus alunos conceitos básicos de física, como energia e movimento, ou um aluno que deve realizar um projeto sobre a civilização egípcia. O primeiro pode usar as simulações do PhET para ajudar seus alunos a compreender esses conceitos. O segundo pode recorrer ao OER Commons para buscar recursos, como mapas interativos e documentos históricos, que o ajudem a criar uma apresentação sobre as pirâmides do Egito e seu significado cultural. Esses são apenas dois exemplos de como os Recursos Ediucacionais Abertos estão transformando o ensino e a aprendizagem no século XXI. Esses recursos democratizam o acesso ao conhecimento, facilitam o trabalho dos professores e capacitam os alunos a explorar e dominar novas ideias de forma autônoma.
Nas próximas linhas, exploraremos o que são exatamente os REA, seus benefícios e desafios (porque eles também têm desafios). Também analisaremos alguns dos REA mais populares e amplamente utilizados e veremos quais diretrizes as administrações públicas devem seguir para projetar políticas eficazes de criação e uso de Recursos Educacionais Abertos, alinhadas com a consecução do ODS 4.
O que são Recursos Educacionais Abertos?
Os Recursos Educacionais Abertos são materiais de ensino, aprendizagem e pesquisa que estão em domínio público ou são publicados com uma licença aberta que permite seu uso, adaptação e distribuição gratuita por terceiros. Isso inclui desde livros didáticos, currículos, guias didáticos até softwares educacionais e plataformas de aprendizagem online. A característica fundamental dos REA é que podem ser reutilizados e adaptados sem restrições legais, facilitando sua disseminação e personalização para diferentes contextos educacionais.
Os REA oferecem uma série de benefícios que não apenas ampliam as oportunidades de aprendizagem, mas também promovem a inovação pedagógica, a personalização de conteúdos e o desenvolvimento de comunidades colaborativas de aprendizagem. Vejamos esses benefícios:
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- Acesso universal à educação: Um dos principais benefícios dos REA é que oferecem acesso livre e gratuito a materiais educacionais de qualidade. Os REA permitem que qualquer pessoa, em qualquer lugar, tenha acesso a conhecimento sem barreiras econômicas ou geográficas. Isso é especialmente valioso em regiões onde os recursos para a educação são limitados ou caros.
- Promoção da inovação educacional: Ao permitir a adaptação e modificação dos conteúdos, os REA promovem a criatividade e a inovação no ensino. Os educadores podem personalizar os recursos para atender às necessidades específicas de seus alunos, experimentar novos enfoques pedagógicos e compartilhar suas adaptações com a comunidade global.
- Redução de custos: Para instituições de ensino e estudantes, o uso de REA pode significar uma economia considerável na compra de livros didáticos e outros materiais educacionais.
- Fomento à colaboração: Os REA incentivam a colaboração entre educadores, estudantes e especialistas de todo o mundo. As comunidades online que se formam ao redor dos REA facilitam a troca de ideias, a cocriação de conteúdos e o desenvolvimento de projetos educacionais transnacionais.
Apesar de seus inúmeros benefícios, a adoção dos REA não está isenta de desafios, que foram apontados por especialistas e organizações internacionais como a UNESCO. Aqui estão os três principais desafios:
- Qualidade e confiabilidade: Embora muitos REA sejam de alta qualidade, a natureza aberta desses recursos significa que nem todos passaram por revisão por pares ou foram rigorosamente avaliados. Isso pode gerar preocupações sobre a precisão e a relevância do conteúdo. Nesse sentido, Esteban Venegas, diretor do Observatório de Prospecção Educacional do Instituto Tecnológico de Monterrey, alerta neste podcast da Fundação Telefônica Movistar Colômbia: “é preciso estar muito atento à qualidade e à relevância da informação que esses recursos contêm, porque nem todos os REA foram criados da mesma forma. Muitos dos conteúdos que encontramos na internet podem ser irrelevantes, ultrapassados… Por isso, é preciso estar muito ciente disso e usar muito o pensamento crítico.”
- Sustentabilidade: Embora os REA sejam gratuitos para os usuários, seu desenvolvimento, manutenção e atualização requerem recursos. A sustentabilidade financeira desses projetos é um tema crítico, especialmente quando dependem de fundos públicos ou de organizações filantrópicas. Nesse sentido, o Relatório da Recomendação de Recursos Educacionais Abertos da UNESCO de 2019 menciona claramente a necessidade de criar modelos de sustentabilidade para garantir a continuidade dos REA, e sublinha o desafio de garantir sua qualidade e adaptação a diferentes contextos culturais e educacionais.
- Reconhecimento e aceitação: Em alguns contextos educacionais, os REA ainda não atingiram o mesmo nível de reconhecimento que os materiais educacionais tradicionais. Isso pode dificultar sua adoção em larga escala, especialmente em instituições que valorizam recursos convencionais.
Como elaborar uma boa política governamental de Recursos Educacionais Abertos
Em 2019, a UNESCO e a Commonwealth of Learning (COL) publicaram um guia para ajudar os formuladores de políticas e instituições a projetar políticas concretas de criação e uso de recursos educacionais abertos. Este documento estabelece os passos a serem seguidos para examinar, analisar, elaborar, implementar e avaliar uma política de REA adaptada a cada contexto, além de oferecer ferramentas práticas para criar um plano de ação real.
O guia estabelece sete etapas no processo de elaboração de políticas de REA:
- Compreender o potencial dos REA: O objetivo desta etapa é introduzir o conceito de REA e explicar sua importância para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente o ODS 4, sobre educação inclusiva e de qualidade.
- Determinar a visão futura dos REA: Nesta etapa, deve-se chegar a uma visão clara sobre o papel dos REA no contexto educacional do país ou região onde a política será aplicada. Esta etapa deve focar em como esses recursos podem enfrentar desafios educacionais como, por exemplo, a redução de custos, a inclusão educacional ou a adaptação de conteúdos às necessidades nacionais, locais ou regionais.
- Estabelecer o marco da política: Definir o escopo e a escala da política: decidir se ela se concentrará em um setor educacional específico (primário, secundário, superior) ou em todo o sistema educacional, e se será em nível local, institucional ou nacional.
- Analisar as lacunas: O objetivo desta etapa é realizar uma análise das lacunas existentes que possam prejudicar o acesso, a criação e o uso dos REA. Por exemplo, qual é o estado da infraestrutura tecnológica? Qual é a capacidade real dos usuários potenciais para desenvolver e utilizar REA? Existe alguma regulamentação que possa facilitar sua adoção?
- Conceber o plano mestre: Desenvolver um plano detalhado para implementar a política de REA. Isso inclui definir como serão criados, armazenados e distribuídos, e como se ajustarão aos procedimentos de garantia de qualidade. Também devem ser formuladas estratégias para garantir a sustentabilidade financeira e a formação de docentes.
- Planejar a governança e a implementação: Uma vez projetado o plano, é essencial estabelecer um marco de governança para supervisionar a implementação da política. Isso envolve alocar recursos, definir indicadores-chave de progresso e criar mecanismos para garantir a participação de todas as partes interessadas.
- Colocar em prática a política de REA: Esta última etapa foca na implementação da política e garante que ela esteja alinhada à realidade educacional local. Isso inclui obter a aprovação e o apoio das autoridades educacionais e dos atores-chave, divulgar a política a todas as partes interessadas, garantir que os professores compreendam como criar, usar e adaptar os REA, e estabelecer um sistema de monitoramento para avaliar o progresso na implementação da política.
Recursos Educacionais Abertos no mundo
Como está ocorrendo a adoção desse tipo de recursos nos sistemas educacionais ao redor do mundo? Nos últimos anos, especialmente desde a adoção da Recomendação da UNESCO mencionada em parágrafos anteriores, o avanço na adoção dos REA tem sido significativo, segundo dados de um relatório da própria organização, apresentado em 2023 e que contém dados fornecidos por 78 estados-membros. Desses países, 77% implementaram políticas em nível nacional ou institucional para garantir que os recursos educacionais financiados com recursos públicos estejam disponíveis como REA.
Entre outros casos, destacam-se o Brasil, que implementou legislação para que os materiais educacionais financiados publicamente estejam disponíveis como REA, facilitando o acesso em áreas rurais e de baixa renda; a Finlândia, que, com sua biblioteca de REA e padrões de qualidade estabelecidos, promove a criação e o compartilhamento de materiais educacionais abertos; a Nova Zelândia, que lidera iniciativas internacionais de REA no Pacífico e desenvolve recursos em línguas indígenas como o maori; e o Uruguai, que, através do Ceibal, fomenta o uso de REA em todo o seu sistema educacional, fornecendo ferramentas aos docentes para criar e adaptar recursos.
Apesar desses avanços, o relatório também aponta desafios, especialmente ligados à sustentabilidade (56% dos Estados Membros relataram a necessidade de estabelecer modelos de sustentabilidade para os REA) e à adaptação a contextos locais e a situações de baixa conectividade (63% dos países indicaram a importância de adaptar esses recursos a contextos locais e situações de baixa conectividade).
Os Recursos Educacionais Abertos têm um grande potencial para transformar os sistemas educacionais, promovendo equidade e inclusão, além de oferecer soluções inovadoras para enfrentar alguns dos desafios educacionais mais urgentes da atualidade. No entanto, ainda existem desafios relacionados à sua qualidade, reconhecimento e sustentabilidade que precisam ser abordados pelos governos e pelas instituições. Assim, poderemos acelerar o caminho para uma educação mais aberta e acessível.