A IA vista pelos estudantes: grande igualador ou nova linha divisória na educação?

Um estudante em Camarões paga caro para se conectar por alguns minutos; outro, na Europa, conversa diariamente com o ChatGPT para se preparar para provas. Ambos fazem parte da mesma geração, mas com oportunidades radicalmente distintas. O Banco Mundial recolheu suas vozes em um relatório: a IA entusiasma, mas também preocupa. Pode ser um motor de equidade ou a brecha do futuro. Tudo dependerá de conseguirmos colocá-la a serviço de todos, e não apenas de alguns.

A IA vista pelos estudantes: grande igualador ou nova linha divisória na educação?

A educação carrega há décadas uma velha ferida: a brecha digital. Primeiro, consistia em ter ou não um computador em casa; depois, em dispor ou não de uma conexão estável. Hoje, o problema se sofisticou. Já não se trata apenas de quem se conecta, mas de quem pode usar, pagar e tirar proveito das novas ferramentas de inteligência artificial. A linha divisória se desloca: do dispositivo, da eletricidade e do wi-fi para os algoritmos e as assinaturas premium.

Estudiantes e ia

O Banco Mundial acaba de documentar isso em um relatório intitulado 100 Student Voices on AI and Education. Conversaram com estudantes de dez países (de Camarões a Ruanda, passando por México, Peru e Colômbia), para ouvir como vivenciam a chegada da IA às salas de aula e, sobretudo, às suas rotinas de estudo. A conclusão: a inteligência artificial pode ser uma oportunidade para democratizar o conhecimento, mas também uma ameaça que consolida desigualdades.

Assim, enquanto alguns estudantes contam que o ChatGPT ou ferramentas similares se tornaram tutores permanentes, disponíveis 24 horas por dia, outros só podem ler sobre elas em manchetes, porque a realidade em seus países é que a internet é cara demais ou instável demais.

A pergunta inevitável que sobrevoa todo o documento do Banco Mundial é a seguinte: a IA será o grande igualador da aprendizagem global ou a nova linha divisória da educação?

A IA como “igualador” e como “segregador”

Em geral, a maioria dos estudantes recebeu a chegada da inteligência artificial com entusiasmo. “Um tutor para cada aluno, acessível 24 horas por dia”, proclamam seus defensores. E a verdade é que, para muitos estudantes, isso se cumpre. No relatório do Banco Mundial, um jovem da Indonésia explica que pratica inglês conversando com um chatbot, algo que antes estava reservado a quem podia pagar aulas particulares. Na Nigéria, outro confessa que, graças à IA, conseguiu finalmente entender a física de fluidos: “É como ter um professor particular, mas gratuito e sem provas surpresa”.

Até aqui, a imagem luminosa. Mas, como ocorre com quase todas as tecnologias, a igualdade dura até aparecer o botão “premium”. O acesso gratuito existe, sim, mas com limitações. Respostas mais vagas, tempos de espera, quedas do sistema… Para conseguir explicações mais completas e confiáveis, é preciso pagar. E pagar não está ao alcance de todos. Um estudante camaronês resume com amargura: “Quem tem cartão de crédito e boa conexão avança de Ferrari; nós continuamos pedalando numa bicicleta enferrujada”.

O curioso é que os próprios estudantes percebem essa dualidade. Falam da IA como um presente envenenado: abre oportunidades antes inimagináveis, mas distribuídas de maneira desigual. Em Ruanda, um grupo de universitários reconhece que a IA lhes permite traduzir textos acadêmicos inacessíveis, mas a conta de dados móveis dispara a ponto de terem que escolher entre estudar e comer. Em contraste, seus colegas europeus ou norte-americanos mal pensam nisso: para eles, a questão não é o acesso, mas aprender a usar a ferramenta com senso crítico.

O resultado é uma mistura de entusiasmo e frustração. A IA aparece como o grande igualador nos discursos globais, mas no dia a dia ameaça se tornar um sofisticado segregador, que oferece respostas brilhantes ao estudante privilegiado e deixa os demais com a versão reduzida da revolução tecnológica.

Barreiras de acesso em contextos de poucos recursos

A inteligência artificial pode ser um luxo mesmo em sua versão gratuita. Em Camarões, um estudante entrevistado pelo Banco Mundial relatou que, para usar o ChatGPT, precisava calcular quantos megabytes restavam em seu plano de dados antes de se atrever a fazer uma consulta. “Às vezes tenho medo de gastar internet com uma resposta ruim”, dizia. Não é que a IA seja inacessível, é que ela é caríssima. Em um país onde um gigabyte pode custar até 10% da renda diária, cada pergunta ao chatbot se torna um pequeno ato de fé.

Em Ruanda, as limitações são mais prosaicas (embora não menos limitantes por isso): os laboratórios de informática, quando existem, estão cheios de computadores que já eram velhos antes da pandemia. “Os ventiladores fazem mais barulho que o professor”, ironizou um estudante. Aqui, a IA é uma quimera que aparece nos relatórios internacionais, mas não existe na sala de aula real, onde o urgente é que as máquinas funcionem.

A Etiópia acrescenta outra camada: os docentes. Segundo vários testemunhos, os professores mais velhos mal se aproximam das ferramentas de IA, seja por medo de perder autoridade, seja por simples desconhecimento. O problema não é apenas a falta de internet ou de equipamentos, mas a ausência de acompanhamento formativo. Um estudante etíope resumiu assim: “Nos dizem para usar IA, mas não sabem nos orientar. É como aprender a dirigir com alguém que nunca conduziu um carro”.

Enquanto isso, em contextos mais privilegiados, a conversa gira em torno de outros dilemas: como ensinar a usar a IA com espírito crítico, como evitar o plágio, como avaliar quando o aluno tem um assistente que responde instantaneamente. O contraste é brutal: uns lutam para carregar uma página sem esgotar o plano de dados; outros discutem se pedir ao chatbot um ensaio inteiro é trapaça ou apenas eficiência.

As barreiras de acesso, longe de serem anedóticas, desenham o mapa de uma nova desigualdade. A inteligência artificial não apenas amplia a diferença entre ricos e pobres, mas introduz um matiz perverso: aqueles que mais poderiam se beneficiar de um tutor digital são justamente os que menos podem pagá-lo ou sequer se conectar a ele.De esta manera, mientras algunos estudiantes cuentan que ChatGPT o herramientas similares se han convertido en tutores permanentes, disponibles las 24 horas, otros solo pueden leer sobre ellas en titulares, porque la realidad es que en sus países el internet es demasiado caro o demasiado inestable.

A IA aparece como o grande igualador nos discursos globais, mas no dia a dia ameaça se tornar um sofisticado segregador, que oferece respostas brilhantes ao estudante privilegiado e deixa os demais com a versão reduzida da revolução tecnológica.

Implicações para a equidade educacional

A inteligência artificial promete personalizar a aprendizagem e abrir a porta a conteúdos de qualidade em escala mundial. Mas, como manifestam os estudantes, essa promessa não alcança a todos. Os que já tinham vantagem (melhores dispositivos, melhor conexão, mais capital cultural) agora contam com um “assistente inteligente” que multiplica suas oportunidades. Os demais continuam esperando que o computador da escola ligue. Isso significa que a IA, em vez de nivelar, poderia estar ampliando a brecha já existente.

O Banco Mundial recolhe testemunhos de jovens que temem ficar para trás no mercado de trabalho. “Se a IA é o futuro do trabalho, o que acontece com quem não pode usá-la?”, perguntava um estudante de Ruanda. A preocupação não é pequena: a OCDE estima que, nos próximos dez anos, até 30% dos empregos exigirão competências ligadas à IA ou à automação. Se a preparação para essas tarefas ficar limitada a uma elite conectada, a desigualdade se consolidará não apenas nas salas de aula, mas também na economia.

A UNESCO, em seu relatório AI and Education: Guidance for Policy Makers (2019), advertia que a IA poderia se tornar um “multiplicador de iniquidades” se não fosse acompanhada de políticas inclusivas. O que, em países de alta renda, se discute como um problema ético (como evitar o plágio? como ensinar pensamento crítico?) em contextos de poucos recursos é um problema muito mais básico: o acesso.

O dilema ético é evidente. É justo avaliar estudantes que contam com um assistente digital ao lado de outros que mal conseguem abrir um navegador? Pode-se chamar de igualdade de oportunidades um cenário em que metade da turma dispõe de um tutor virtual e a outra metade não tem sequer wi-fi? A IA não inventou a desigualdade, mas está a reconfigurando com um verniz tecnológico que a torna menos visível e, por isso mesmo, mais perigosa.

Caminhos para fechar a brecha

A brecha de IA não está escrita em pedra. Pode ser mitigada. Como? O primeiro passo é evidente: infraestrutura. Sem internet acessível e dispositivos adequados, qualquer debate sobre ética da IA soa quase cínico. O Banco Mundial insiste que o investimento em conectividade é tão urgente quanto a capacitação docente.

O segundo passo tem a ver com formação. Escolas e universidades devem ensinar não apenas a “usar” a IA, mas a compreendê-la criticamente: como funcionam os algoritmos, quais são seus vieses, quais são seus limites. Caso contrário, a ferramenta se transforma em uma caixa-preta que poucos sabem interpretar. A UNESCO chama isso de “alfabetização em IA” e a coloca no mesmo nível da leitura e da matemática.

O terceiro frente envolve as empresas de tecnologia. Não basta lançar versões gratuitas como isca comercial. São necessários modelos inclusivos: planos que funcionem em baixa conectividade, preços acessíveis para contextos vulneráveis, ferramentas desenhadas levando em conta a diversidade linguística e cultural. A OCDE adverte que, se a inovação se concentrar em mercados ricos, a desigualdade será inevitável.

Em outras palavras: fechar a brecha é um esforço político, pedagógico e empresarial. E quanto antes começar, melhor. Porque cada ano letivo que passa sem soluções multiplica o risco de que a IA deixe de ser o grande igualador para se tornar o novo muro da educação.

 

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