Como ensinar a resolver problemas na sala de aula

Na escola, nos ensinaram muitas coisas: as cordilheiras do mundo, a fotossíntese, os gentílicos da Oceania. Resolver problemas? Nem tanto. Ou nada. Supunha-se que fosse automático. Como se saber o que fazer diante de um conflito, um erro ou uma decisão difícil fosse puro instinto, coisa de gênio ou milagre doméstico. Não é. Resolver problemas se aprende. Ou se ensina. Melhor ainda: os dois. Neste artigo, vamos ver por que essa habilidade é uma das mais necessárias na formação de qualquer pessoa. Com evidências, exemplos e um pouco de bom senso.

Como ensinar a resolver problemas na sala de aula

Os economistas a chamam de “habilidade de ordem superior”. Os pedagogos preferem “competência transversal”. A maioria das pessoas chama simplesmente de “se virar”. Resolver problemas é algo que fazemos todos os dias: quando a internet cai antes de uma videochamada, quando precisamos negociar com uma criança de cinco anos que se recusa a calçar os sapatos ou quando enfrentamos aquele dilema moral clássico da sala de aula: quatro alunos, três canetas.

Habilidades para la vida

O curioso é que essa habilidade tão elementar, tão humana, foi historicamente deixada de lado na educação formal. Como aponta o relatório Skills for Life: A Review of Life Skills and their Measurability, Malleability, and Meaningfulness do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as escolas ensinam fórmulas, datas e definições, mas raramente ensinam a pensar soluções. Por isso, quando foram avaliadas 30 habilidades potenciais para programas educacionais — da empatia à autorregulação —, a resolução de problemas se destacou entre as dez mais importantes, com pontuações altas em mensurabilidade, maleabilidade e “meaningfulness”, ou seja: utilidade para a vida.

“Resolver problemas” significa identificar uma dificuldade, analisá-la, pensar alternativas, decidir, agir e avaliar como tudo saiu. Fazemos isso sozinhos ou em grupo. Às vezes bem, às vezes mal. Mas como qualquer habilidade, pode ser ensinada. E sim: também pode ser medida, a partir dos quatro anos de idade, com instrumentos como o SPSI-R (Inventário de Solução de Problemas Sociais) ou até mesmo em avaliações de larga escala como o PISA.

Infelizmente — e como vemos todos os dias no noticiário —, se tem algo que o século XXI vai continuar nos oferecendo em abundância, são problemas. Por isso, aprender a resolvê-los deveria ser uma tarefa central na escola.

O que significa, de fato, saber resolver problemas?

O mais difícil em um problema nem sempre é resolvê-lo. Às vezes, o mais complicado é saber por onde começar. O que observar, o que ignorar, qual pergunta fazer primeiro. E lá estamos nós: diante de um obstáculo, uma decisão, uma dúvida — o mais fácil é travar. Ou improvisar. Ou culpar o sistema, o horário ou o colega do lado.

Saber resolver problemas não é o mesmo que saber a resposta. Nem implica necessariamente tê-la. Trata-se, antes, de saber como se mover na incerteza. Segundo o BID, essa habilidade envolve analisar uma situação com múltiplos fatores, gerar soluções viáveis baseadas em evidência ou em uma intuição bem treinada, e escolher a mais adequada. Parece simples. Não é.

Nos contextos educacionais, a resolução de problemas pode ser dividida em dois grandes campos: individual e colaborativa. A primeira é aquela que associamos a uma prova de matemática: enunciado, cálculo, resposta. A segunda é mais difícil — e mais real: envolve trabalhar em equipe, ouvir ideias diferentes, ceder, adaptar-se, construir uma solução comum. O relatório do BID e os marcos da OCDE insistem que ambas são necessárias, e que a resolução colaborativa, embora mais caótica, desenvolve habilidades sociais, comunicação e tolerância à frustração. Tudo aquilo que anda em falta.

Por trás do conceito, há mais lógica do que parece. Resolver um problema envolve:

  • Identificar e definir claramente o que está acontecendo;
  • Explorar e comparar caminhos possíveis;
  • Prever consequências (inclusive as indesejadas);
  • Implementar uma solução;
  • Avaliar o que funcionou e o que não funcionou. E recomeçar.

Os especialistas falam em pensamento sistêmico, raciocínio indutivo, heurísticas… mas no fundo tudo se resume a uma pergunta muito humana: “E agora, o que eu faço?” Saber respondê-la — mesmo que pela metade, mesmo com dúvida — é sinal de maturidade. E de que algo está funcionando bem na escola.

Resolver problemas se ensina? A evidência diz que sim

Criança não nasce sabendo amarrar os cadarços. Nem resolver briga no recreio ou sair de uma enrascada. Mas algo acontece pelo caminho: enquanto aprendemos a diferenciar substantivos de adjetivos, ninguém nos ensina o que fazer quando algo dá errado. Ou quando alguém discorda de nós.

A boa notícia é que resolver problemas não é um dom reservado aos gênios. Pode ser ensinado. E mais: já foi, com sucesso. Segundo o BID, há evidência clara e sistemática de que essa habilidade é maleável: melhora com a prática, com orientação e com experiências bem conduzidas.

Um dos programas mais bem documentados é o The Incredible Years – Dinosaur School. Pensado para crianças de 3 a 8 anos, o programa é aplicado em sala de aula e inclui uma unidade específica sobre resolução de problemas. O processo é ensinado em sete passos: identificar o problema e os sentimentos envolvidos; gerar soluções possíveis; prever consequências; escolher a melhor opção; avaliar se ela é viável; implementá-la; e, por fim, avaliar o resultado. Tudo isso é reforçado com jogos, dramatizações e exercícios de regulação emocional. Os estudos mostram: menos impulsividade, mais reflexão, mais capacidade de lidar com conflitos. Nada mal para começar desde cedo.

Outro exemplo é o modelo IDEAL, desenvolvido pelos pesquisadores John Bransford e Barry Stein. Baseia-se numa ideia simples: tratar problemas como oportunidades de melhorar algo. IDEAL é a sigla para Identify the problem, Define the goals, Explore strategies, Anticipate outcomes, Look back and learn. Em bom português: pensar antes de agir — e pensar de novo depois. O básico, mas com método.

E quando falamos de contextos reais — salas com 35 alunos, sem Wi-Fi, com muita vontade e poucos recursos —, o método mais eficaz tem sido o Aprendizado Baseado na Investigação (ABI): uma forma de ensinar que começa com perguntas, não com respostas. O BID documentou seu impacto em mais de dez experimentos de campo entre 2009 e 2015, em países como Argentina, Paraguai, Peru e Belize. Em apenas sete meses, os alunos que usaram essa abordagem melhoraram em ciências e matemática — mesmo em escolas com grandes limitações.

O segredo? Três pilares: problemas reais, trabalho colaborativo e um professor que guia sem entregar respostas. No ABI, as aulas são organizadas em torno de conceitos amplos desenvolvidos ao longo do tempo. Os alunos levantam hipóteses, investigam, comparam, discutem, corrigem o rumo. O conhecimento não é dado — é construído. E isso exige estrutura: boas perguntas, apoio constante e espaço para errar sem punição.

Por exemplo: se quisermos estudar a poluição, poderíamos ler um texto e decorá-lo. Mas no ABI, propõe-se uma situação real: “A água da torneira está com gosto estranho. O que podemos fazer?” A partir daí, os alunos investigam causas, testam filtros caseiros, leem, comparam, apresentam descobertas. Aprendem ciências com a cabeça ativa. E aprendem a pensar sem parar de aprender conteúdo.

Sim: resolver problemas se ensina. E quando se ensina com intenção, com método e com tempo, funciona.

Os estudantes não precisam que tudo venha pronto. Precisam aprender a encarar um problema sem medo, a pensar antes de agir, a saber que errar não invalida o esforço.

Como medir a capacidade de resolver problemas?

Medir inteligência é difícil. Medir empatia, também. Medir a capacidade de resolver problemas parece, à primeira vista, uma tarefa condenada ao subjetivismo. Mas não é. Ou, pelo menos, não totalmente. Na verdade, existem mais ferramentas para avaliar essa habilidade do que se imagina — e algumas são surpreendentemente sensatas.

Primeiro, o óbvio: não se mede quantos problemas uma pessoa resolve, mas como ela os enfrenta. O importante não é a solução — que às vezes nem existe —, mas o processo: observar, pensar, decidir, agir e aprender com isso. E isso pode ser observado, descrito e, com cuidado, avaliado.

Uma das ferramentas mais utilizadas é o SPSI-R (Inventário de Solução de Problemas Sociais – Revisado), desenvolvido por D’Zurilla e Maydeu-Olivares. Mede cinco dimensões fundamentais: da orientação positiva (acreditar que problemas têm solução) ao estilo evitativo (a arte de adiar até que o problema desapareça — ou exploda). O teste já foi validado com adolescentes e em contextos de língua espanhola, o que não é pouca coisa.

Mas nem tudo são questionários. As avaliações baseadas em desempenho também têm um papel importante. O PISA, por exemplo, avaliou em 2012 a resolução de problemas individuais e, em 2015, a resolução colaborativa. Os resultados foram variados. Alguns alunos sabiam aplicar fórmulas complexas, mas se perdiam diante de uma tarefa ambígua. Outros, mais intuitivos ou experientes em trabalho em grupo, se destacavam na tomada de decisões — mesmo sem saber explicar exatamente por quê. A vida é assim também.

Dicas para ensinar a resolver problemas na sala de aula

Resolver problemas não é uma disciplina. Mas deveria atravessar todas elas. Não precisa de horário fixo nem grade específica. Ensina-se, sobretudo, quando o professor deixa de ser quem sempre tem a resposta certa e passa a ser aquele que faz perguntas que exigem pensar. Isso, em sala de aula, vale mais do que saber de cor os reis visigodos.

Não é preciso reinventar a pedagogia. O essencial é que a sala de aula deixe espaço para a dúvida, para o erro, para o teste. Que nem tudo esteja resolvido de antemão. Que os alunos tenham margem — e responsabilidade — para decidir, errar, ajustar o caminho.

A seguir, algumas práticas eficazes, baseadas nas recomendações do BID e em marcos como os das avaliações do PISA de 2012 e 2015:

  • Fazer perguntas que não tenham uma única resposta certa. Em vez de “quanto é 5×4?”, tente “de quantas formas podemos dividir isso entre quatro pessoas?”. Que pensem, não que repitam.
  • Tolerar o silêncio. A vontade de ajudar é grande. Mas se o professor preenche todo silêncio, o aluno aprende a esperar ajuda — não a pensar. Às vezes, o melhor que se pode fazer é deixá-lo um minuto sozinho com o problema.
  • Valorizar o processo, não só o resultado. Peça aos alunos que expliquem os passos, por que mudaram de ideia, qual solução descartaram. E se não funcionou, melhor ainda: aí mora o aprendizado.
  • Rodízio de papéis no grupo. Quem sempre lidera, que escute. Quem costuma calar, que proponha. Trocar de lugar é uma forma poderosa de ganhar perspectiva.
  • Incorporar problemas do cotidiano. Nada ensina mais do que o vivido. “Como evitar o desperdício de água no bebedouro da escola?” pode ensinar mais do que um capítulo inteiro sobre recursos naturais.
  • Não simplificar os conflitos. Se há discordância, não intervenha tão cedo. Deixe que discutam, argumentem, escutem. Resolver problemas também é entender que nem sempre existe uma solução perfeita.

Educar para resolver

Durante anos, a escola funcionou como uma máquina de respostas. Hoje, talvez, ela precise funcionar mais como um espaço para fazer boas perguntas. Porque os estudantes não precisam que tudo venha pronto. Precisam aprender a encarar um problema sem medo, a pensar antes de agir, a saber que errar não invalida o esforço. E isso não se ensina num dia — mas se transmite toda vez que a sala de aula dá espaço para o pensamento.

Os programas podem ajudar. As estratégias, também. Mas o mais importante — como quase sempre — é mudar o olhar: um professor que não resolve tudo, mas ensina a encarar qualquer coisa. Isso já basta. E, em tempos como os nossos, isso é muito.

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