A tecnologia não ensina sozinha: descobertas empíricas da OCDE

A OCDE acaba de recordar algo que muitos já intuíram: a tecnologia, por si só, não ensina. Seu relatório Key findings on digital technologies and student learning (2025) sintetiza mais de uma década de pesquisa empírica e mostra que as ferramentas digitais só melhoram a aprendizagem quando são integradas a um design pedagógico sólido, guiado por professores e orientado ao pensamento crítico. O estudo apresenta uma lição clara: a verdadeira transformação digital na educação começa na pedagogia, não na tela. Algo que já sabíamos e que agora é respaldado por uma década de estudos científicos.

A tecnologia não ensina sozinha: descobertas empíricas da OCDE

Poucas transformações recentes despertaram tantas expectativas quanto a digitalização educacional. Em apenas duas décadas, os sistemas escolares investiram milhões para equipar salas de aula com telas interativas, tablets e plataformas online. Prometeu-se uma revolução educacional: mais autonomia, mais motivação, mais aprendizagem. Porém, os resultados continuam irregulares. Relatórios internacionais mostram progressos modestos, e as desigualdades, longe de diminuírem, assumem novas formas de exclusão digital.

Informe OCDE

A OCDE, que costuma agir com cautela nesse tipo de debate, decidiu observar a questão sob a lente da evidência. O resultado é Key findings and integration strategies on the impact of digital technologies on students’ learning, uma revisão de mais de 350 estudos empíricos e 25 metanálises sobre o impacto das tecnologias na aprendizagem. Sua conclusão — a tecnologia pode ajudar, mas não ensina por si só — oferece respaldo científico a uma intuição amplamente reconhecida pelos professores.

Efeitos positivos existem: entre 0,25 e 0,35 desvios-padrão, o equivalente a três a cinco meses adicionais de progresso acadêmico. Mas eles só aparecem quando a tecnologia está integrada em uma pedagogia estruturada, com acompanhamento docente e objetivos de aprendizagem definidos. Na ausência desses fatores, os resultados tendem a ser neutros ou até negativos.

O relatório também alerta que a brecha digital mudou de rosto: não se trata mais do acesso a dispositivos, mas da competência para usá-los com sentido. Como resume um de seus trechos: “As tecnologias amplificam as fortalezas dos sistemas educacionais, mas também suas fragilidades.”

Essas conclusões poderiam ser resumidas na seguinte máxima: a digitalização não substitui a pedagogia — ela a põe à prova.

Onde a tecnologia realmente melhora a aprendizagem

A tecnologia funciona, mas somente quando se faz com que funcione. Esse poderia ser o resumo mais conciso das conclusões positivas do relatório da OCDE. Longe dos discursos maximalistas, o documento oferece um mapa preciso de onde e como as ferramentas digitais realmente contribuem para a aprendizagem. A constante é uma: os melhores resultados surgem quando a tecnologia expande a ação pedagógica, e não quando a substitui.

Matemática: visualizando o abstrato

Em matemática, os benefícios são consistentes. Programas de geometria dinâmica como GeoGebra ou Cabri permitem representar relações espaciais que antes só podiam ser imaginadas. Segundo esta metanálise incluída na revisão da OCDE, essas ferramentas aumentam o desempenho médio em 0,32 desvios-padrão. Mas o detalhe importa: os efeitos são significativamente maiores quando os professores usam o software para explorar conceitos, e não para mecanizar exercícios. A visualização e a manipulação favorecem a compreensão, desde que acompanhadas de discussão e raciocínio guiado.

Ciências: experimentando o invisível

Nas ciências, os recursos digitais permitem acessar fenômenos que a sala de aula tradicional não pode mostrar. Laboratórios virtuais, realidade aumentada e simulações interativas facilitam a observação de processos complexos (como uma reação química, o movimento de um planeta ou a dinâmica de um ecossistema) sem as limitações de tempo e de materiais físicos. Esta metanálise confirma melhorias na compreensão conceitual e na motivação, mas alerta que o excesso de estímulos visuais pode gerar sobrecarga cognitiva se a atividade carecer de estrutura. Nesse campo, a tecnologia amplia o campo de observação, mas o sentido é dado pelo professor.

Leitura e alfabetização: apoio adaptativo

Também há avanços claros na leitura inicial e na alfabetização digital. Programas como GraphoGame ou Headsprout (analisados por Richardson e Lyytinen (2014) e Kyle et al. (2022)) mostram progressos no reconhecimento fonológico e no vocabulário quando usados de forma adaptativa e com feedback imediato. Em contextos de aprendizagem precoce ou multilíngue, a tecnologia pode suprir parte da escassez de recursos humanos, desde que haja acompanhamento pedagógico.

Competências transversais: colaboração e autorregulação

O relatório identifica ainda um efeito emergente: ambientes digitais bem projetados fortalecem a colaboração e a autorregulação da aprendizagem. As metanálises de Sung et al. (2016) e Scherer et al. (2019), citadas pela OCDE, mostram que plataformas que combinam trabalho cooperativo, feedback automatizado e espaços de reflexão individual promovem melhorias sustentadas na motivação, na perseverança e na gestão da própria aprendizagem. Os efeitos, embora moderados (cerca de 0,25 desvios-padrão), são consistentes em diferentes níveis educacionais. Mais do que um meio para aprender com tecnologia, esses ambientes funcionam como cenários onde se aprende a aprender, integrando autonomia e cooperação em um mesmo marco pedagógico.

No conjunto, a evidência é clara: a tecnologia potencializa a aprendizagem quando atua como meio para compreender, representar ou comunicar melhor — e não como um fim em si mesma. O fator determinante não é a sofisticação técnica, mas o propósito pedagógico que a orienta.

Quando a tecnologia não ensina

Se o relatório da OCDE desmonta alguma ideia, é a do determinismo tecnológico: a crença de que basta introduzir dispositivos para melhorar resultados. A evidência mostra que a tecnologia, usada sem propósito pedagógico, não apenas deixa de agregar valor como pode gerar efeitos contraproducentes.

A ilusão da substituição

Durante anos, a narrativa da “escola do futuro” insinuou que a tecnologia poderia substituir o professor. A pandemia pareceu confirmar isso: milhões de estudantes conectados a plataformas virtuais, aulas gravadas, algoritmos corrigindo exercícios. Mas os dados posteriores desmentiram tal hipótese. Segundo a OCDE e avaliações nacionais como o PISA 2022, o ensino remoto não guiado produziu perdas equivalentes a entre meio e um ano letivo completo, especialmente entre alunos com menor autonomia e capital cultural.

Como resume a publicação da OCDE: “As tecnologias amplificam as fortalezas dos sistemas educacionais, mas também suas fragilidades.” Ou seja: onde há boa pedagogia, a digitalização a potencializa; onde falta, a agrava.

Sobrecarga e distração

Outro perigo diz respeito à sobrecarga cognitiva. Ambientes digitais apresentam mais estímulos do que a mente pode processar: janelas, links, cores, animações. A metanálise de Makransky e Petersen (2021) sobre realidade virtual mostra que o excesso de elementos visuais reduz a retenção e a transferência do conhecimento. O mesmo ocorre com a leitura em tela: Delgado et al. (2018) verificaram que a compreensão profunda é menor do que no papel, exceto quando são ensinadas estratégias de autorregulação. Resumindo em uma frase: a tecnologia pode capturar a atenção, mas nem sempre a concentra.

A nova brecha digital

O acesso aos dispositivos já não é o problema central: a desigualdade está no uso. Os dados do PISA Digital Literacy (2022) mostram diferenças de até 80 pontos entre estudantes de diferentes níveis socioeconômicos em tarefas digitais com fins acadêmicos. Os mais favorecidos utilizam a tecnologia para investigar ou criar; os mais vulneráveis, para consumir. Assim, a brecha desloca-se do ter para o saber: do hardware à pedagogia.

A motivação efêmera

Por fim, a OCDE alerta para o efeito novidade. A introdução de um recurso digital eleva a motivação inicial, mas o entusiasmo se dissipa sem um propósito claro de aprendizagem. O que mantém o interesse não é a ferramenta, mas o sentido e o desafio cognitivo propostos pelo professor.

Em suma, a tecnologia não fracassa; fracassa o modo como a utilizamos. Como já dissemos, quando substitui a pedagogia, empobrece; quando a acompanha, enriquece.

O papel do professor e a mediação pedagógica

De todas as descobertas do relatório, esta é a mais nítida: o papel do professor continua sendo o fator decisivo da aprendizagem, mesmo — e sobretudo — em ambientes digitais. A tecnologia multiplica o efeito do bom professor, mas não compensa sua ausência. Ela não ensina sozinha, porque ensinar não consiste apenas em transmitir informação, mas em construir sentido, orientar a atenção e sustentar a motivação.

Os estudos revisados pela OCDE mostram que intervenções digitais acompanhadas por instrução guiada têm um efeito médio 40% superior às não mediadas. A explicação é simples: o professor define os objetivos, dosifica a informação e ajuda o estudante a integrar os conteúdos em um marco conceitual. Sem essa mediação, o ambiente digital tende a fragmentar a experiência de aprendizagem em atividades desconexas.

A organização formula isso de maneira muito clara: “O sucesso da educação digital depende menos da ferramenta do que do julgamento profissional do professor.” Esse julgamento não é apenas técnico, mas ético e pedagógico: implica decidir quando usar a tecnologia e quando é melhor prescindir dela.

Daí a relevância da competência digital docente, entendida não como habilidade instrumental, mas como capacidade crítica para selecionar, adaptar e contextualizar recursos tecnológicos. Os marcos europeus DigCompEdu e TET-SAT, citados pela OCDE, assim como os resultados obtidos pela Ferramenta de Autoavaliação de Competências Digitais Docentes adaptada pela ProFuturo, insistem nesse enfoque: o professor do século XXI não precisa saber programar, mas saber ensinar em um ambiente mediado tecnologicamente.

Paradoxalmente, quanto mais autônomas são as plataformas, mais necessária é a mediação humana. Os algoritmos podem personalizar o ritmo, mas não o propósito. A função do professor, hoje mais do que nunca, é dar sentido, orientar a reflexão e sustentar a comunidade de aprendizagem.

Em última instância, a digitalização não substitui o professor: ela o torna mais visível. A tecnologia pode guiar, avaliar ou simular, mas somente o professor pode ensinar a pensar.

Bem-estar e cidadania digital

O relatório da OCDE introduz uma dimensão que raramente ganha destaque: o impacto da digitalização no bem-estar e na socialização dos estudantes. Conexão permanente não garante comunidade, e exposição constante não equivale a participação. A escola digital enfrenta o desafio de formar usuários críticos e cidadãos conscientes — não apenas consumidores competentes.

Os dados são eloquentes. Mais de 40% dos adolescentes dos países membros declaram ter se sentido cansados ou distraídos pelo uso intensivo de telas, e cerca de 30% já vivenciaram algum episódio de assédio online. O relatório adverte que a fronteira entre aprendizagem e entretenimento é difusa, e que a multitarefa digital reduz a atenção sustentada, mesmo em contextos educativos.

Daí a insistência em desenvolver competências socioemocionais e éticas, não apenas técnicas. A alfabetização digital, afirma a OCDE, deve incluir habilidades para gerenciar o tempo de tela, avaliar a veracidade da informação e respeitar a privacidade própria e alheia. Os sistemas que incorporam esses enfoques — Finlândia, Coreia, Canadá — alcançam menores taxas de estresse escolar e maiores índices de satisfação estudantil.

O bem-estar digital não se ensina com tutoriais, mas com prática guiada e reflexão coletiva. A escola pode ser um espaço de aprendizagem tecnológica, mas também de acolhimento e sentido: um lugar onde aprender a conviver no digital sem ficar preso à sua lógica.

A evidência como ponto de partida

A principal contribuição do relatório da OCDE não deriva de suas conclusões, que, embora interessantes, não são novas. O importante é a validação científica que oferece. Esta metanálise devolve o debate ao terreno da evidência e muda seus termos: já não se trata de acreditar ou não na tecnologia, mas de saber em que condições ela funciona.

A digitalização educacional deixou a retórica da inovação e entrou na fase empírica de sua maturidade. As descobertas de mais de 350 estudos e 25 metanálises oferecem uma base sólida para distinguir entre moda e conhecimento: o que melhora a aprendizagem, o que a deixa igual e o que a deteriora.

O mérito do relatório é colocar ordem na conversa. Em vez de opor entusiasmo e ceticismo, propõe um critério: evidência antes de ideologia. Talvez esse seja o verdadeiro sinal de maturidade do sistema educacional contemporâneo: aprender, finalmente, a apoiar a educação em dados e não em dogmas.

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