A incorporação eficaz da tecnologia na educação não depende apenas da disponibilidade de recursos tecnológicos, mas também da formação adequada dos professores. No entanto, essa formação encontra obstáculos como a falta de tempo dos professores. Mas, e se essa formação for incentivada de alguma forma? Este artigo explica dois modelos de concessão de bolsas para a formação docente em competências digitais nos estados brasileiros de Mato Grosso e Paraná.
A adoção de tecnologias digitais na educação gerou (e gerará) mudanças significativas, oferecendo novas oportunidades para reduzir as desigualdades entre os estudantes e garantir um acesso mais amplo e econômico ao conhecimento. Nesse contexto, o desenvolvimento de competências digitais tornou-se essencial para que os jovens enfrentem com sucesso as demandas da era digital. Mas, como sabemos, a incorporação eficaz da tecnologia na educação não depende apenas da disponibilidade de recursos tecnológicos, mas também da formação adequada dos professores.
No entanto, essa formação enfrenta desafios, como a própria formação inicial dos professores, a falta de tempo e as barreiras que, às vezes, são impostas pelo próprio sistema educacional. Para minimizar esses obstáculos, a implementação de políticas de reconhecimento que incentivem os professores tem se mostrado um fator positivo que contribui para o sucesso dos programas de formação docente em competências digitais.
Nesse sentido, o Brasil está avançando na formulação e implementação de políticas e normas para a adoção da tecnologia na educação, que inclui uma estratégia nacional com previsão de recursos para a formação de professores em competências digitais. Considerando esse contexto, a Coalizão Tec Educação, que reúne entidades como CIEB, Fundação Lemann, Fundação Telefônica Vivo, Instituto Natura e MegaEdu, elaborou uma proposta de modelos de concessão de incentivos, um tipo de bolsa para professores que, além de suas funções docentes, assumem a formação de seus colegas. Essa proposta tem como ponto de partida a sistematização da implementação do Programa de Formação Docente em Competências Digitais em Mato Grosso e a experiência de outro programa de formação de professores implantado no estado do Paraná.
Este artigo apresenta um resumo desses modelos, seus resultados, os custos de implementação nos demais estados do país e as lições aprendidas com seu uso. Para conhecer os detalhes, recomendamos a leitura da nota técnica completa aqui.
Multiplicadores em Mato Grosso
A proposta de bolsas implementada no estado de Mato Grosso se concentra na implementação do programa de formação docente em competências digitais, enquadrado no “Pacto pela Digitalização”, uma política do governo estadual integrada no programa “EducAção 10 anos”. Este programa tem como objetivo melhorar a qualidade do aprendizado na rede de ensino por meio do desenvolvimento de competências digitais dos professores. O programa é estruturado em torno de dois pilares fundamentais:
- Rotas formativas: O programa é estruturado em várias rotas formativas. Cada rota oferece até 66 horas de formação, distribuídas em cursos de diferentes áreas, como pedagógica, cidadania digital e desenvolvimento profissional, e são ministrados em formato híbrido, incluindo webinars, módulos autoinstrucionais e oficinas presenciais.
- Multiplicadores: Os multiplicadores são professores contratados especificamente para replicar as formações e ampliar o alcance do programa. Eles são um elemento-chave, atuando como pontos focais e mediadores nas formações.
Distribuição das Bolsas
Foram concedidos dois tipos de bolsas: Tipo I para formadores tecnológicos e Tipo II para multiplicadores. As bolsas Tipo I implicam uma carga horária semanal de 14 horas e uma remuneração mensal de 2.500 reais brasileiros (cerca de 440 dólares), enquanto as bolsas Tipo II têm uma carga de 10 horas semanais e uma remuneração entre 1.500 e 2.500 reais (265 a 440 dólares).
A distribuição das bolsas no estado de Mato Grosso foi realizada seguindo critérios específicos para garantir que as diferentes regiões educacionais recebessem uma quantidade proporcional de recursos em relação à concentração de professores.
Resultados
Os resultados preliminares mostraram uma melhora significativa nas competências digitais dos professores. Assim, a proporção de docentes com um nível adequado de competências digitais (nível 3 ou superior em uma escala de 1 a 5) aumentou de 25% para 53%.
Escalabilidade, Custos e Viabilidade
O custo mensal estimado para financiar as bolsas dos multiplicadores foi de 255.000 reais por mês (45.068 dólares), o que equivale a 3,06 milhões anuais (540.800 dólares).
Considerando que no Brasil existem 510 regiões geográficas e que são necessários dois multiplicadores Tipo I por região, seriam necessários 1.020 multiplicadores Tipo I, isto é, 2,55 milhões mensais (450.700 dólares) e 30,6 milhões anuais (5.408.271 dólares).
No que se refere aos multiplicadores Tipo II, considerando que Mato Grosso representa aproximadamente 2,4% do total de docentes no Brasil e que utilizou 120 multiplicadores Tipo II, estimam-se necessários 5.000 multiplicadores Tipo II a nível nacional, com um custo total de 7,5 milhões mensais (1.325.556 dólares) ou 90 milhões anuais (15.906.681 dólares).
No total, somando os recursos necessários para os dois tipos de multiplicadores, obtemos uma cifra de 120,6 milhões de reais (21.208.908 dólares) para todo o Brasil.
Considerando que a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (ENEC) conta com um orçamento de 2,3 bilhões (406.504.070 dólares), esse modelo de concessão de bolsas é viável e poderia ser financiado com esses fundos para apoiar iniciativas de formação em competências digitais.
Tutores Formadores no Paraná
Como Funciona o Programa?
Iniciado em 2020 em resposta à pandemia de COVID-19, o programa “Formadores em Ação” foi desenhado para oferecer aos professores formação mediada por tecnologia, baseado no conceito de “formação de professor para professor” ou formação entre pares.
O programa formativo está estruturado em uma base trimestral com sessões virtuais semanais de 1 hora e 40 minutos, totalizando 40 horas por trimestre. As sessões são realizadas via Google Meet e os grupos de estudo são compostos por até 20 professores de diferentes escolas e regiões. A participação nos grupos é voluntária e reavaliada a cada trimestre para assegurar a continuidade do compromisso.
Os formadores desse programa são selecionados através de um processo de convocação pública e recebem formação inicial por parte da Secretaria de Educação (SEED) e tutores designados, também professores da rede. Cada tutor é atribuído a um grupo de formadores (até 10) e fornece assistência pedagógica contínua. Uma vez formados, cada formador coordena até três grupos de estudo.
Por sua vez, o sistema de bolsas do programa “Formadores em Ação” é desenhado para incentivar e apoiar os formadores que participam ativamente na capacitação de outros professores.
Custos e Escalabilidade
Cada formador recebe uma bolsa mensal de R$ 1.540,48 por sua participação no programa. Essa compensação é destinada a reconhecer o esforço adicional que implica coordenar e conduzir as sessões formativas.
Assumindo que, em 2023, foram necessários 523 formadores para atender 5.367 grupos, pode-se calcular um custo mensal de 805.000 reais (142.276 dólares) por mês e 9,6 milhões (1.696.712 dólares) por ano.
O número de formadores necessários para o funcionamento do programa é diretamente proporcional ao total de professores da rede estadual que devem ser atendidos. Considerando que os professores da rede estadual no Paraná representam 6,8% dos docentes de educação básica do Brasil e que o custo estimado para atingir esse percentual é de 9,6 milhões, pode-se inferir que o custo para expandir o programa para todo o país seria de aproximadamente 142 milhões (25.097.208 dólares) por ano.
O Que Podemos Aprender com Esses Modelos?
As experiências de Mato Grosso e Paraná nos deixam alguns aprendizados importantes que podem ser considerados premissas de sucesso para implementar um programa de bolsas estadual para ensinar competências digitais aos docentes. Quais são essas lições?
- Garantir a infraestrutura necessária: Assegurar a conectividade e a disponibilidade de equipamentos tecnológicos para o desenvolvimento de competências digitais.
- Realizar diagnósticos iniciais: Implementar diagnósticos que evidenciem o grau de maturidade no uso pedagógico de tecnologias. Ferramentas como o Guia EduTec podem ser utilizadas para realizar essas autoavaliações de maneira eficiente e sistemática.
- Avaliação contínua: A implementação de avaliações recorrentes é crucial para ajustar as formações de acordo com o contexto regional e as necessidades específicas dos educadores.
- Disponibilidade de carga horária: Para que os educadores possam participar efetivamente nos programas de formação, é necessário garantir que tenham a carga horária disponível. Isso implica um planejamento adequado de seus horários de trabalho e uma alocação específica de tempo para a formação contínua. É importante que as instituições educacionais reconheçam e facilitem esse tempo dedicado ao desenvolvimento profissional, evitando sobrecarregar os educadores com outras responsabilidades que possam interferir na sua participação nas formações.
- Regime de colaboração: Fomentar a colaboração entre as secretarias de educação e os municípios é vital para uma implementação efetiva dos programas de formação. Essa colaboração deve basear-se em uma comunicação aberta e uma coordenação eficiente, garantindo que todas as partes envolvidas trabalhem em prol de objetivos comuns. Além disso, é necessário estabelecer mecanismos claros de apoio e recursos compartilhados para facilitar a implementação e o acompanhamento dos programas de formação em diferentes regiões.
- Estabelecer iniciativas de colaboração: Promover a colaboração entre diferentes atores educacionais e tecnológicos para apoiar o desenvolvimento de competências digitais.