Histórias

Meu nome é Raimundo e educar corre nas minhas veias

Raimundo

O ProFuturo é um programa de educação digital para melhorar a qualidade da educação, através de ferramentas digitais e em ambientes sociais carenciados. O programa segue uma dupla estratégia: melhora a formação de professores em nível técnico-pedagógico e, ao mesmo tempo, promove a aprendizagem significativa dos alunos a partir de experiências de aprendizagem digital motivadoras.

Compartir

“Dirijo a Escola Indígena Municipal Kanata T-Ykua. Comecei a compartilhar meus conhecimentos quando tinha 14 anos e nunca me imaginei fazendo mais nada”.

Pertenço ao grupo étnico Kambeba, que teve um papel muito importante na história da Amazônia e que veio a ser considerado extinto no século XX. Como resultado do movimento indígena dos anos 80, meu povo começou a se afirmar novamente como indígena e a lutar por seus direitos. Cresci naquele momento histórico: entrei no movimento aos 11 anos de idade. Meus pais, Diamantina e Waldemir, fundaram a comunidade Três Unidos em 1991, no baixo rio Negro, às margens do Rio Cuieiras, na Amazônia. É uma das cinco comunidades que abrigam os 1500 índios Kambeba que vivem no Brasil. Meus pais deixaram a cidade grande em prol da saúde e educação do seu povo.

Nossa comunidade cresceu rapidamente. Em 1993, havia mais de 30 crianças. Era necessário ensinar alfabetização, para instruir, mas não tínhamos escola nem professores. Então meu pai, que era um tuxaua —a mais alta autoridade política e religiosa da comunidade—, pensou em mim.

Naquela época eu já estava muito interessado na história e na língua Kambeba. Passei o dia todo na casa do meu avô; com ele e com a minha avó aprendi a língua, os costumes e as tradições do nosso povo. Só voltava para casa para dormir! Gostei da ideia do meu pai. Quando a ouvi, pensei: “Vou revitalizar tudo isto.”

No início, fiz tudo da sala da minha casa. Minha mãe cozinhava, limpava e fazia tudo o que era necessário, e os outros habitantes também ajudavam muito. Eu só tinha estudado até à 4ª série, mas já tinha uma ideia do tipo de ensino que queria oferecer: aprendizagem intercultural que combinaria nossos conhecimentos tradicionais com as disciplinas do currículo convencional, tais como matemática, português, ciências, etc. Desenvolvemos a nossa própria metodologia e pouco a pouco ela foi tomando forma, a ponto de hoje termos nossa própria pedagogia escolar Kambeba!

Uma pequena escola de 50 metros quadrados

Com o passar do tempo, a sala de estar da minha mãe tornou-se pequena demais para nós. A comunidade se mobilizou e construiu uma pequena escola de 50 metros quadrados de madeira, com duas pequenas salas de aula. Sem banheiro, sem lavatório, sem cozinha, sem nada. Meu pai lutou para melhorar as condições com o apoio de toda a comunidade. Embora eu já tivesse alguma formação, os gestores públicos estavam muito relutantes em confiar na capacidade de um jovem indígena para ser professor.

Em 2013, após anos de luta, as coisas tinham melhorado bastante. A Câmara Municipal construiu um novo edifício para nossa escola, com duas salas de aula, banheiros, cozinha, refeitório, sala de informática e tudo o que é necessário.

Hoje, os bons resultados dos nossos alunos refletem nosso trabalho. Atingimos a meta de 100% de aprovação durante anos, e o desempenho dos alunos nas avaliações é excelente. O nosso método educacional já foi apresentado em revistas e na televisão, e até fomos visitados por uma equipa da Universidade de Columbia para conhecer o nosso método educacional bilíngue em português e Kambeba.

A primeira coisa em que trabalhamos na sala de aula é o conhecimento tradicional do nosso povo, o conhecimento que as crianças têm da sua própria realidade. Depois disso, introduzimos o currículo tradicional com as outras disciplinas obrigatórias. As aulas são unitárias, com crianças de várias faixas etárias aprendendo de forma alegre e lúdica. É uma educação intercultural na qual queremos trabalhar sobre o conhecimento tradicional e universal e preparar os estudantes para o mundo que os espera.

Na nossa escola temos desenvolvido vários projetos pedagógicos. Este ano, estamos trabalhando em um projeto de contos com histórias do folclore amazônico, como o Boto, a Mãe do mato, o Curupira… Todas essas histórias antigas são transmitidas oralmente e acabam caindo no esquecimento, mas as crianças precisam conhecê-las.

Também os ensinamos a usar as ferramentas de caça e pesca dos povos indígenas. O arco, o fole, o arco e as flechas… Outro projeto trata de plantas medicinais. A minha mãe é uma verdadeira especialista neste campo e faz todo a categoria de medicamentos. Este conhecimento também estava em perigo de ser esquecido.

O do arco e flecha foi ótimo. As crianças participaram de um grande projeto e, no final, entraram para a Equipe Nacional Brasileira de Tiro com Arco. Eles disseram que seriam necessários oito anos de prática para chegar a esse nível, mas em oito meses já o tinham alcançado.

A chegada da ProFuturo

Hoje, a administração tem uma melhor compreensão do nosso processo educacional e da nossa abordagem intercultural. Além disso, o programa ProFuturo tem sido uma contribuição muito positiva e tem-nos dado muita liberdade. Podemos combinar nossos conhecimentos com os materiais da plataforma e ganhamos autonomia para desenvolver aulas e conteúdos diferenciados, adaptados à nossa língua, à nossa história e à nossa gente.

Com a ProFuturo, conseguimos uma plataforma para armazenar nossas aulas, algo fundamental. Muito do conhecimento tradicional da educação indígena é transmitido de uma geração para outra. Muitas das nossas bibliotecas vivas já não estão conosco, perdemos tanto. No entanto, agora e graças à plataforma, podemos arquivar tudo para uso futuro. Podemos reorganizar-nos e planear-nos de acordo com o nosso próprio sistema.

Atualmente, a escola oferece a Educação Infantil e o primeiro ciclo do Ensino Primário (do 1º ao 5º ano). O segundo ciclo e o Ensino Médio são ministrados em outra escola estadual, que também faz parte da comunidade, mas nós não a administramos. Entretanto, continuamos a nos mobilizar para expandir a oferta educacional. Queremos que nossos filhos sejam educados e, se puderem, queremos até que estudem fora, na cidade. Deixá-lo ir embora e depois voltar e ajudar seu povo.